sábado, 13 de janeiro de 2018

Sopão comunitário ajuda menos favorecidos em Santa Rita e Alto Araguaia

Por: Aline Almeida

Foto: Monique Esposito

Ninguém sabe ao certo como surgiu o movimento da "sopão comunitário" no Brasil, mas em Santa Rita do Araguaia surgiu em 1990 com a distribuição de sopa para moradores de rua e doentes. A ideia partiu da escrivam Raquel Borges Alves de 52 anos, que sempre se comoveu com os menos favorecidos. Quando não servia sopa, o cardápio era pão com carne moída e "Kisuki". O projeto durou quatro anos, e só parou porque que Raquel teve filhos e não conseguiu conciliar a maternidade com a sopa. O projeto voltou há cerca de 8 meses por ideia da voluntária Jussara Schmidt Monteiro, que ao ver a necessidade da comunidade se sentiu tocada e procurou Raquel por já ter feito o projeto antes. 

Foto: Monique Esposito
Fachada do Centro Espirito Maria Nazaré.
Foto: Monique Esposito
A sopa e feita todas as sextas-feiras na cozinha do Grupo Espirita Raio de Luz, em Santa Rita, mas todos os voluntários fazem questão de deixar bem claro que apesar de a sopa ser realizada lá, não se trata de uma ação unicamente de pessoas da religião espírita. “E uma comunhão em prol de Jesus”, afirma Raquel. O trabalho e voluntário, e conta com um número rotativo de pessoas que se dividem em uma escala informal. “Quem chega já vai ajudando”, fala a voluntária aposentada da educação, Eunice dos Santos, 56 anos, conhecida pelo seu tempero.

Voluntária desde que o projeto retornou esse ano, Eunice acredita que o voluntarismo é um forma de fazer bem. “Eu não me sinto obrigada e acho que todos veem porque querem”, afirma ela.

No início, a divulgação pedindo ajuda da comunidade ocorreu na rádio, grupos de whatsapp e principalmente no boca a boca, gerando colaboradores fiéis.

Nicinha no preparo da Sopa. Foto: Monique Esposito.
Eunice, "Nicinha" como e chamava pelos colegas, explica que o grupo não tem ajuda da prefeitura, e que os ingredientes vêm de doação das frutarias e mercados da região, mas quando falta algo, o grupo se une novamente e faz uma vaquinha para comprar o que falta. A receita da sopa e simples, “tudo que tem no dia, mais o macarrão e a carne”. Os preparativos começam por volta das quatro da tarde, e tem que ficar pronta até as 19 hrs, que é quando começa a distribuição. “Começa esse horário para que as pessoas não durmam”. A distribuição e feita em dois carros, sendo um para Santa Rita e outro para Alto Araguaia. Em media vão três pessoas em cada carro. Além da sopa com pedaços de pão, o grupo leva balas e pirulitos para as crianças e pacotes das verduras e legumes que sobraram para as famílias. Atualmente o projeto contempla cerca de 18 famílias em Alto Araguaia e 10 em Santa Rita, mais os andarilhos que são encontrados pelas ruas das cidades.

A rota geralmente e a mesma. Primeiro os voluntários passam nas praças das cidades para ver se encontram algum desabrigado, depois seguem para as casas em que os moradores dormem cedo, por fim vão na casa dos que acompanha a novelas das 9.

Com roupas sujas, velhas e/ou ragadas; cheiro forte e o sentimento estampado no rosto por ter o que comer na noite, cada beneficiado pelo movimento e envolvido por um abraço quente e palavras de força e amor. Preconceito e uma palavra que não existe aqui.

Domingos Rodrigues da Silva, pai de 7 filhos, e um dos beneficiados com a sopa. Desempregado faz "bicos" de serviços gerais para garantir o sustento de sua família, porém isso não e suficiente. Há cerca de 5 meses, ele recebe a sopa todas as sextas-feiras, junto de uma sacola de verduras, e uma cesta básica mensal do Cras (Centro de Referência de Assistência Social).

Casa de Domingos. Foto: Monique Esposito
“Eles me dão 5 quilos de arroz, um pacote de açúcar, um feijão, um óleo, um sal e um frango”, conta ele. A sopa e esperada ansiosamente pela criançada na casa de Domingos. “Agorinha eles matão ela”, declara o pai.

Apóscada entrega, era feita uma oração com a participação de todos. As vezes que puxava a oração era um membro do movimento, outras um morador. Nem as crianças ficavam de fora dessa. Na casa de Domingos, as crianças colocaram até o cachorro para participar da oração.

Durante o nosso trajeto, Raquel conta diversas histórias sobre as peripécias que ocorreram na entrega da sopa. Entre elas, a que mais chamou a atenção, foi a de um viajante que estava dormindo nas praças da cidade de alto Araguaia. O senhor de idade avançada, foi abordado pelo grupo para receber a sopa. Em meio a conversa, ele revelou que estava recém-operado. Todos ficaram preocupados com a saúde do homem, já que o mesmo corria grande risco de pegar uma infecção devido a situação insalubre em que se encontrava. Todos começaram a ligar para suas respectivas redes de contatos, a fim de tirar o homem daquela situação. Após alguns telefonemas estava tudo resolvido. O senhor teria roupas, comida e um leito no Hospital Municipal de Alto Araguaia, mas para isso deveria abandonar seu litro de pinga. Quando o homem soube da troca que iria ter de fazer, logo abraçou a garrafa, sentou no chão, cruzou as pernas e disse: “- Assim eu não vou”. Depois de alguns minutos de risada, o grupo usou todos os argumentos possíveis para convencer o senhor que no momento mais parecia uma criança mimada. Vencidos pelo cansaço, o grupo providenciou alimento e cobertores com o intuito de voltar no dia seguinte para tentar novamente convencer o idoso e ajudá-lo a retornar a sua morada. Mas quando voltaram, o homem já havia partido sem deixar rastros.

Depois de uma caminhada de mais de 1 hora das nossas casas até o centro espírita, eu e a estudante do 3° semestre de jornalismo, Monique Esposito (21) que foi me auxiliar nas imagens, ajudamos no preparo da sopa descascando os alimentos. Depois de pronta a experimentamos. Estava uma delicia bem temperada e suculenta! Repetimos a cambucá (risos). Quando terminamos a degustação da sopa fomos a entrega com os demais voluntários. A princípio entregamos nas praças onde encontramos moradores de rua, depois passamos a distribuir nas casas. Algo que gostamos muito foi a forma com as pessoas recebem o alimento. Elas já vem com uma panela ou vasilha na mão, os voluntários colocam a sopa, e chamam todos que residem na casa (inclusive as crianças) para uma oração. O voluntário e zootecnista Breno Augusto de Oliveira de 42 anos, diz que “essa sopa não alimenta só o corpo físico, alimenta nossas almas”. Tudo é feito com muito carinho, podendo ser sentindo e visto no olhar de cada um, a alegria e orgulho de estar ali. A distribuição da sopa terminou por volta das 23 hrs, voltamos para casa com a sensação de dever cumprido. Tomei um banho e quando me deitei fiquei pensado, “como tem gente que tem tão pouco e ainda consegue ser grata, enquanto outros tem tudo e só sabem reclamar?”, mas logo me lembrei do que Monique havia me falado mais cedo. “O trabalho voluntário é uma forma de ajudar a quem precisa e a nós mesmos. É uma sensação maravilhosa de dever cumprido e de estar fazendo o bem. Saber que existem pessoas boas no mundo em prol do bem maior, mesmo com a correria do cotidiano, param para pensar e escultar o próximo e algo maravilhoso”, afirmou a estudante.
Foto: Monique Esposito
Por enquanto, o grupo almeja aumentar o número de famílias beneficiadas, podendo levar “o alimento do corpo e da alma”, como eles dizem, a mais pessoas.

Além da sopa, o grupo realiza todos os sábados encontros com café da manhã e almoço para as crianças que queiram participar da evangelização, e de forma não periódica bazares com o intuito reverter o dinheiro para ajudar o próximo; doação de roupas e doação de passagens para andarilhos;


Realidade dos moradores de rua no Brasil

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012 o número de moradores de rua chegavam a 1,8 mi em todo o território brasileiro, o que representa cerca de 1% da população. Esse número apresenta um crescimento de 10% nas pessoas que se encontram nesta situação. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a maior parte dessa população se encontra nos grandes centros, sendo 40,1% nos municípios com mais de 900 milabitantes e 77,02% nas cidades com mais de 100 mil. Já nos municípios de ate 10 mil moradores a porcentagem era de 6,63%. De acordo com a Secretaria de Estado de Assistência Social (Setas), Mato Grosso tem quase mil pessoas em situação de rua, sendo 71% em Cuiabá e Rondonópolis. Desse total 542 recebem Bolsa Família.


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